Poesia Comentada #1
Navegante: a travessia pela linguagem
por Alex Sakai – Tokyo, 1994
Hoje compartilho um poema escrito em Tokyo, em 1994, quando o silêncio e a língua estrangeira me obrigaram a mergulhar ainda mais fundo na linguagem como travessia interior.
Em “Navegante”, exploro o fazer poético como uma jornada viva pelas águas do verbo — um percurso por sons, sentidos e signos.
Abaixo, o poema e, logo depois, uma análise crítica para quem desejar ir além da superfície.
✦ Navegante
Navegar pela poesia
É navegar em rio revolto
Com uma canoa de relâmpagos
Cruzo monossílabos tônicos.
As estrelas da palavra
No trilho da ilha
São as filhas
Lavradas no fio do abracadabra
A canoa voa a correnteza:
Vogais lisas
Ásperas algas consonantais
Águas de fonemas
Corredeiras de sintaxe
Cascatas lexicais.
Em meio à miragem das línguas
Joga a proa da canoa
Q ressoa
A constelação de loas
Por um mar de olhos semióticos.
Molha a boca de significados
Soa a voz dos pirotécnicos
Ecôo
Com uma catedral de signos.
✦ Poesia Comentada: Navegante
1. Um poema sobre o poema
Navegante é uma obra metapoética — um poema que fala sobre o fazer poético. O eu lírico se apresenta como um barqueiro que atravessa o rio revolto da linguagem. Aqui, a poesia é viagem, é desafio, é corpo vivo.
“Com uma canoa de relâmpagos / Cruzo monossílabos tônicos”
Essa imagem traz o poeta como aquele que desafia a tormenta com uma embarcação feita de inspiração (relâmpagos), enfrentando a musicalidade tensa dos monossílabos — palavras curtas, sonoras, firmes.
2. O abracadabra da linguagem
“As estrelas da palavra […] Lavradas no fio do abracadabra”
As palavras são tratadas como feitiço, alquimia, filha da noite e da mente. O uso da palavra “abracadabra” resgata a dimensão mágica do verbo: o poder de criar, transformar, curar.
3. A geografia fonética da criação
A sequência de imagens que envolve vogais, fonemas, sintaxe e léxico transforma a linguagem em um cenário físico e sonoro:
“Vogais lisas / Ásperas algas consonantais / Águas de fonemas / Corredeiras de sintaxe / Cascatas lexicais”
Essa seção é um passeio visual e auditivo pelo corpo da linguagem. Aqui o poeta brinca como um artesão do som, revelando o que há de orgânico e selvagem no ato de escrever.
4. Um mar de signos
“Por um mar de olhos semióticos”
O verso mais ousado do poema. O mar olha de volta — é feito de olhos que são signos. Estamos imersos na semiótica viva, onde cada palavra, cada olhar, cada silêncio é um significado em potencial.
5. A epifania final
“Ecôo / Com uma catedral de signos.”
No clímax, o poeta se dissolve e se eleva: ele é a linguagem, é o templo da expressão. A palavra “catedral” traz reverência, monumentalidade. Aqui, o eco não é vazio — é ressonância sagrada.
✦ Conclusão
“Navegante” é um poema sobre a arte de escrever — mas também sobre a arte de existir através da linguagem. Um convite a todos que já se sentiram à deriva, mas encontraram nas palavras um norte.
💬 E você? Já navegou por rios revoltos de linguagem?
O que achou do poema? Deixe seu comentário abaixo — poesia viva é a que continua em outras vozes.
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